quarta-feira, 26 de maio de 2010

O dom de curar

Talvez você esteja bem incerto
de que seja eu a pessoa adequada
a pedir ajuda.

Talvez toque a campainha da entrada
como quem não queira ser ouvido,
e na sala de espera encontre um sofá muito estreito
ou uma cadeira muito alta e desajeitada.

Quem sabe nas paredes haja mais quadros do que seus olhos desejam ver.
Talvez faltem tapetes.

As revistas podem não ser de seu agrado, e a água estar muito gelada.
Outros pacientes já podem estar também aguardando
e isso causar sua impaciência.

Quem sabe você tenha que conversar com um deles
e acabar ganhando um amigo
ou um inimigo.

Ao abrir a porta para sua consulta, posso não ser tão simpática como você esperava,
ou exagerar na simpatia.
Talvez eu não tenha o rosto que você imaginava , talvez idade a mais ou a menos.

Quem sabe não faça as perguntas necessárias para o diagnóstico
ou ainda,
você omita fatos importantes nas queixas e sintomas.

Mas pode ser que

você goste da sala de espera,
se tranquilize com o meu sorriso,
conte o que possa me ajudar
e eu veja tudo o que preciso,
para que o milagre se concretize
e você saia pela porta
melhor do que chegou...
Luiza ,entre outras queixas , me contou como havia sido seu dia anterior.
Acordara com vontade de mudanças no ar. Mas não as mudanças que sempre fazia , voltada para coisas : trocava móveis de lugar, pintava objetos. Não, queria uma mudança sua , de dentro para fora. Pensou no velho sonho de adquirir alguma peça cara , sem se culpar pelo resto de sua vida por havê-la adquirido . Parecia uma tarefa bem mais fácil e agradável do que realmente rever coisas mais profundas ; sim, poderia começar por aí. Depois passaria para coisas mais valorosas.
Saiu de casa , pensando na quantia que gastaria sem representar grande fortuna, e se dirigiu ao shopping mais próximo.Doce ilusão imaginar que seria tarefa fácil. Mais uma vez, seu mundinho pequeno e provinciano paralisou sua ação. Primeiramente porque a loja era cercada por enormes vigias, que intimidavam qualquer comprador, milionário ou não. Segundo, porque ela não tinha aquela postura (um tanto arrogante) , que as vendedoras dessas lojas esperam de suas clientes . Ficou ,portanto , horas olhando e babando diante das vitrines. Amava aquelas bolsas mas não conseguia imaginar -se andando com um objeto cujo valor daria para alimentar várias famílias talvez durante meses...
Embora tivesse o dinheiro, não entrou na loja.
E a sensação mais uma vez, foi a de que sua vida estava passando, suas vontades se mantendo só como vontades, e o mundo seguindo adiante para aqueles que não se detinham pensando demais por pequenas coisas...